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A culpa é natural
A culpa é uma dessas angústias. Precisamos nos despir do clichê social de que não temos culpa e entendê-la de maneira correta. Desde criança sentimos culpa e continuaremos a senti-la. Graças à capacidade de culpa, não somos homens das cavernas violentos.
A culpa molda maneiras de ser, orienta nosso comportamento, nos motiva ou desmotiva. A culpa é um processo mental que forma nossa personalidade – claro que há diversidade de vivências culposas entre as pessoas durante momentos distintos de vida. Cada um lida com o excesso de culpa de modos diferentes.
A culpa pode ser localizada em alguma parte da personalidade que representa um núcleo formado pelas exigências do meio ambiente. Por exemplo, não posso ser muito sincero senão magoo as pessoas. Quem trouxe essa ideia de que há mágoa pela sinceridade ao extremo? Com certeza a fala de outras pessoas. Logo, me contenho para não falar a verdade, não machucar as pessoas e não sentir culpa devido a isso. Evito sentir a culpa porque em minha psique formou-se um núcleo que desencadeia a culpa, que é o núcleo que contém a fala dos outros em mim representado. Difícil isso? É simples.
Dizem que as crianças são como esponjas. Absorvem tudo. Essa imagem é interessante. Parte de nossa psique é uma esponja que, com empatia, absorve a dor do outro, nos fazendo sentir culpa. Só que essa absorção forma em nós um núcleo na personalidade que nos rege perante outros relacionamentos. Logo, essa esponja absorve sentimento e cria uma entidade que emana culpa.
Essa entidade é o outro representado em mim, com um aprendizado que deixa marcas. Como isso é formado na individualidade é outra questão, mas em geral essa é a formação. Ao afirmar que há entidade, quer-se demonstrar uma lei geral, ou seja, ninguém escapa à formação dessa entidade na própria personalidade que representa a culpa. Se você afirma não sentir culpa em situações que todos sentiriam é outra história, mas ela existe e você apenas pode arranjar meios psíquicos de lidar com ela através de defesas anticulpa.
A partir desse núcleo, nos relacionamos com todos através das leis inconscientes arraigadas nesse núcleo. Não é preciso dizer que a cultura específica de um local determina essas leis. Cultura no sentido de valores e regras sociais de ser e estar em sociedade.
O perigo é patologizarmos esse núcleo e o identificarmos como negativo. Ele é positivo. Graças ao mecanismo da culpa, a sociedade consegue evitar assassinato. Essa entidade emite a lei de que, se matar, haverá cadeia. Essa lei identificada na mente impede que o ser humano extrapole seus desejos mais cruéis e íntimos. A culpa significa: reconheço o outro e sinto a dor dele. O que é um assassino senão aquele sem acesso ao mundo do outro? Ou até mesmo aquele que realiza a própria vontade de morrer na morte do outro? Questão complicada essa, não é o foco do texto, detenhamo-nos.
Já adianto que livrar-se de ser passível de sentir culpa é impossível. A culpa pode vir das expectativas de nós mesmos, da empatia com o outro que sofre, da reanálise de nossas atitudes e em alguns casos da relação espiritual com Deus. Pode até mesmo haver a culpa imaginária, aquela que sentirei se deixar de fazer tal coisa ou se a fizer, portanto, me esforço para fazer ou não fazer e frustrar a futura culpa.
Psicologicamente, a culpa pode trazer tristeza, desconcentração, mal-estar, psicossomatização, depressão, necessidade de autopunição, vícios, inquietude, estresse. O que ela vai desencadear depende muito da personalidade e do contexto pessoal.