Obesos são mais depressivos? Descubra na matéria!A obesidade é uma doença de grande complexidade e de origens multifatoriais. Nesse sentido seus tratamentos devem contemplar essas características, sob pena de serem inefetivos e trazerem elevados e injustificados custos para o paciente e para o sistema de saúde.

Dentre os fatores envolvidos na obesidade, um grupo específico tem destaque, não tanto pelo seu papel etiológico e de prognóstico, mas sim por seu papel histórico. Esse é o grupo dos fatores psicológicos e psiquiátricos.

Durante muito tempo, notadamente nas primeiras seis décadas do século passado, entendeu-se a obesidade a um só tempo como resultante de dificuldades ou déficits morais e/ou como resultante de problemas psíquicos.

Assim, o obeso era visto como uma pessoa de baixa autoestima, com limitações intelectuais, com mau funcionamento mental, covarde e egoísta.

Esse pequeno parágrafo traz embutida uma série de desdobramentos; nenhum deles pode ser considerado bom.

Talvez o principal seja que uma grande parte de profissionais da Saúde ainda pense desse modo francamente inadequado e cientificamente não embasado. Isso faz com que a doença não seja encarada como tal e, portanto, o sucesso terapêutico só esteja presente quando a sorte do paciente for grande.

Mas há outros: gera-se uma avalanche de preconceitos que acabam por penalizar o doente pela sua doença. Não há necessidade de relembrarmos aqui exemplos da segregação massiva à qual essas pessoas estão sujeitas no seu dia a dia, porém nunca é demais repetir que essa segregação existe e é, no mínimo, infundada.

Essas ideias também servem, ainda hoje, para se retardar pesquisas mais adequadas sobre o tema e, em algumas situações, para se evitar que pacientes tenham acesso a tratamentos efetivos (Cirurgia Bariátrica).

Além disso, essas ideias facilitam o aparecimento e a manutenção de um mercado agressivo, antiético e milionário de propostas terapêuticas mágicas e enganosas, trazendo uma grande dificuldade na correta abordagem de uma doença num grupo de pessoas que já fizeram de tudo e não aguentam mais investir tempo, dinheiro e expectativas.

A postura atual é a de que a população geral de obesos não apresenta maiores níveis de psicopatologia, quando comparadas à população geral não obesa.

No entanto, pacientes obesos (ou seja, pessoas obesas que estão em tratamento) apresentam, esses sim, maiores níveis de sintomas depressivos, ansiosos, alimentares e de transtornos de personalidade. Essa presença parece ter uma relação diretamente proporcional ao índice de massa corporal (IMC).

Apesar de parecer algo contraditório com aquilo que foi dito acima, a coerência se dá por três aspectos de elevada relevância:

 

  • Não há uma conotação etiológica, ou seja, a presença de psicopatologia não é necessária para o aparecimento da obesidade;
  • A presença de psicopatologia não é geral, e sim restrita a grupos específicos, tal como acontece em outras doenças crônicas;
  • A obesidade é vista como causadora da psicopatologia, e não como consequência desta última.

 

Uma das mais frequentes patologias é o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica.

As primeiras descrições de pacientes obesos com episódios bulímicos datam de 40 anos. Sua primeira descrição com as características nosológicas atuais foi feita em 1992. Hoje, estudos focalizando este padrão alimentar são abundantes. Abaixo, está citado os critérios diagnósticos de Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), da American Psychiatric Association.

A presença de episódios bulímicos está positivamente relacionada ao peso corporal e é frequente em pessoas envolvidas em programas de perda de peso, com uma prevalência que varia de 23 a 46%. Estudos que utilizam os critérios acima apontam uma prevalência de aproximadamente 30% entre indivíduos obesos que procuram tratamento, contra 2-3% na população geral e contra 50% dos pacientes candidatos à cirurgia bariátrica. Obesos com e sem o Transtorno da Alimentação Periódica diferem em vários aspectos. Os primeiros tendem a:

 

  • Comer maiores quantidades tanto nas refeições normais quanto nos binges , com uma porcentagem proporcionalmente maior de gorduras e menor de proteínas; comer mais sobremesas e petiscos durante os binges;
  • Ser mais pesados e mais jovens; apresentar maiores taxas de abandono de tratamento;
  • Apresentar maior prevalência de psicopatologia, especialmente do grupo dos transtornos afetivos; apresentar maior sofrimento no controle dos excessos alimentares, maior grau de perfeccionismo durante o curso de dietas e maior medo do ganho de peso.
  • Apresentar maior nível de somatização, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, ansiedade, ideação paranóide e taxas elevadas de abuso de álcool na história pessoal ou familiar.

 

Um outro padrão alimentar alterado que também merece atenção, conhecido por Síndrome do Comer No-turno (SCN) é caracterizado por hiperfagia noturna (não necessariamente sob a forma de binges), insônia e anorexia matinal. A distribuição na população geral e na de pacientes obesos é similar àquelas do TCAP e alguns autores sugerem a possibilidade de a SCN ser reconhecida como um novo transtorno alimentar. Este padrão parece se relacionar a alterações do sono e pode ser parte da Apnéia do Sono.

 

 

Dr. Adriano Segal é Presidente da Comissão de Especialidades Associadas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica. Psiquiatra do Ambulatório de Obesidade e Síndrome Metabólica do Serviço de Endocrinologia e Metabologia - Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina da USP/SP e coordenador do Ambulatório de Transtornos Alimentares associados à Obesidade do AMBOS. Diretor de Psiquiatria e Transtornos Alimentares da ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).

Publicidade