Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) pode trazer novidades no entendimento do processo de envelhecimento do cérebro. A pesquisa analisou o nível de três substâncias encontradas no sangue e, ao investigar os compostos envolvidos no chamado estresse oxidativo, que desequilibra a presença de radicais livres no organismo, os pesquisadores perceberam que essa desregulação ocorre de forma mais intensa em pacientes com Alzheimer. Os resultados abrem caminho para que, no futuro, possa ser feita a identificação precoce de doenças neurodegenerativas por meio de exames de sangue.
O diagnóstico do Alzheimer hoje é feito após a morte do paciente com a análise de partes do cérebro. "Fomos atrás de marcadores [da doença] no sangue, porque trabalhos científicos recentes já consideram o Alzheimer como uma doença sistêmica e não exclusiva do cérebro. Então a gente acreditava que, se esse mecanismo de estresse oxidativo estivesse presente na doença, talvez a gente pudesse verificá-la perifericamente [no exame de sangue]", explicou a professora Tania Marcourakis, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.
Na primeira fase do estudo foram estudados três compostos presentes no sangue, cujos níveis variam de acordo com o envelhecimento: monofosfato cíclico de guanosina (GMP cíclico), óxido nítrico sintase (NOS) e substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (Tbars). Os pesquisadores compararam as plaquetas de três grupos de pacientes: 37 adultos jovens (18 a 49 anos), 40 idosos saudáveis sem nenhum tipo de demência (62 a 80 anos) e 53 idosos com Alzheimer (55 a 89 anos).
Os pesquisadores verificaram que com o avanço da idade aumenta a presença do NOS e do Tbars e ocorre uma diminuição do GMP cíclico. "Com a doença, a gente viu que o Tbars aumenta mais ainda. Vimos uma escadinha: no envelhecimento ele sobe e com a doença de Alzheimer sobe mais ainda. E a mesma coisa ocorre com o NOS, mostrando que são processos contínuos. Já o GMP cíclico, uma vez que ele diminui no envelhecimento, continuava diminuindo na doença", expôs Marcourakis. Esse desequilíbrio leva a uma formação maior de radicais livres.
A segunda fase da pesquisa tinha o objetivo de identificar se o que foi percebido no sangue também ocorre no cérebro, com a análise do cérebro de ratos. O trabalho foi feito em parceria com o professor Cristóforo Scavone, do Departamento de Farmacologia. "Percebemos duas coisas importantes: no envelhecimento do rato acontecia a mesma coisa que no humano e a mesma coisa que a gente achava no sangue também encontrava no cérebro. Isso foi muito importante para validar o nosso modelo: o que você analisa no sangue está refletido no cérebro", disse a pesquisadora.
Marcourakis destacou que os resultados ainda não podem ser utilizados como diagnóstico de doenças neurodegenerativas, mas avançam na compreensão fisiopatológica delas. "A gente entende melhor a doença. Veja o Alzheimer, por exemplo, ele não está só no cérebro, está no corpo inteiro, a análise do sangue mostrou isso", declarou. Para apontar o quanto esses dados ajudariam no tratamento, seria necessário ampliar o estudo com populações maiores.
Além disso, é preciso descobrir um marcador específico de cada doença. "O estresse oxidativo não é exclusivo do envelhecimento, nem da doença de Alzheimer. Qualquer doença neurodegenerativa, como o Parkinson, tem o mesmo mecanismo", explicou. Ela destacou que vários grupos de pesquisa no Brasil e no exterior dedicam-se a estudar diferentes substâncias com o objetivo de descobrir formas de identificar cada vez mais no início essas doenças.
O mal de Alzheimer não tem cura, porém, o diagnóstico precoce traz mais qualidade de vida ao paciente. "Hoje, quando você faz o diagnóstico, já tem um índice de morte de neurônio muito grande e não tem como reverter", explicou a pesquisadora. As medicações existentes são compensatórias. "Elas aumentam o neurotransmissor que está faltando, mas eles continuam morrendo e chega a um ponto que o remédio não faz mais efeito", disse. Quanto mais cedo a doença é identificada, por mais tempo a medicação pode funcionar. "Abre-se uma janela para que se possa atuar mais", explicou a pesquisadora.
Fonte: BBC